quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

EDUCAÇÃO SEM HOMOFOBIA

MEC vai distribuir seis mil kits "anti-homofobia" para a rede pública


O objetivo do programa é combater o
preconceito em instituições de ensino



Cleyton Vilarino
cidades@band.com.br

O Ministério da Educação distribuirá este ano seis mil kits educativos “anti-homofobia” para escolas de ensino médio da rede pública. Os materiais, que fazem parte de um convênio firmado entre o MEC (Ministério da Educação), com recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), e a ONG Ecos (Comunicação em Sexualidade), para combater o preconceito em instituições de ensino, tem gerado embates com setores mais conservadores.

A polêmica gira em torno de um conjunto de vídeos que farão parte dos kits distribuídos em escolas que participam do programa “Mais Educação”, do governo federal. O programa visa trazer atividades extracurriculares em diversas áreas, dentre elas a sexualidade.

Em um destes vídeos é contada a história de uma jovem transexual e seus principais dilemas durante a convivência com os demais alunos. Na Câmara dos Deputados, parlamentares que compõe a bancada dos evangélicos alegam que este tipo vídeo seria uma apologia ao homossexualismo e denunciam a faixa etária para a qual o kit será distribuído.

Apesar do MEC garantir que os kits serão entregues apenas entre escolas do ensino médio, o deputado Jair Bolsonaro, principal crítico ao programa, insiste que eles serão distribuídos a escolas do ensino fundamental. O deputado se refere a um vídeo de apresentação, antes mesmo de ter sido aberto o processo de licitação. Nele, o secretário responsável pelo programa, André Lázaro, fala em 190 mil escolas de ensino médio. “Se você entrar na minha página você vai ver que eles falam em 190 mil escolas. 190 mil não é segundo grau”, afirma Bolsonaro.

O deputado vai além e também aponta problemas de ordem moral. “Eu não quero ver as minhas filhas ou a minha neta assistindo a um filme desses”. Para Bolsonaro, o filme aumenta a exposição dos jovens à pedofilia. “Eles estão estimulando também a questão da pedofilia, porque a molecada, curiosa, vai ficar mais propensa aos pedófilos”, defende.

Educação inclusiva

Para o professor do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Fernando Seffner, que já teve contato com o material a ser distribuído, a medida é positiva. “Eu acho que vamos colocar para esses jovens uma discussão que já circula na sociedade”, defende Seffner, que ressalta outras prioridades, como o investimento no professor. “É preciso ir além de um simples kit e investir também na formação do profissional que irá aplicá-lo. Não adianta ter o kit e não saber usar”, ressalta.

Entre outras coisas, Seffner destaca a necessidade de o professor saber diferenciar alunos dentro da escola. Para ele, não são todos os adolescentes que já desenvolveram a sexualidade e que poderão aproveitar devidamente o programa. ”Se você entrar em uma sala de aula você vai perceber uma diversidade enorme, havendo aqueles que já se percebem mais sexualizados e outros que não. Isso é uma enorme dificuldade.”

Ele explica que o país, pela primeira vez, passa por uma inclusão escolar muito grande, contribuindo para uma maior heterogenia no ambiente escolar. “Esse habitar a escola não se trata apenas de uma inclusão dentro dela. Ela coincide com uma época de democracia.”, observa Seffner ao destacar que o choque entre estas diferenças se potencializa. “No meu tempo, existiam alguns garotos afeminados, mas nada que se colocasse como uma identidade possível. Pelo contrário.”

A hostilidade gerada dentro da escola causa graves problemas a este grupo. “São coisas que a gente já viu em educação. Elas prejudicam a autoestima do aluno e fazem com que essas pessoas ou desistam da escola, ou comecem a reprovar, ou tenham um rendimento escolar muito baixo”, explica Seffner.

De acordo com um estudo feito pelo Centro de Apoio a Diversidade Sexual de São Paulo, apenas 17% dos transgêneros (travestis e transexuais) chegam até o ensino superior. Entre os homossexuais que não apresentam identidade transgênera, esse número salta para 41% e para 50% entre os bissexuais.

Casos reais

Dentre os beneficiados pelo programa estarão adolescentes como Lázzaro Breves, que estudou em uma escola Federal do Rio de Janeiro e alega ter sofrido preconceito de alunos e professores quando assumiu sua homossexualidade, já no ensino médio. “Apelidos, chacota, pessoas que se afastaram depois que ficaram sabendo. Sempre que eu estava andando com um menino pela escola era a mesma conversinha de que estávamos nos pegando”, lembra.

Em casos mais graves, como o de Sandra (nome fictício), o bullying aconteceu antes mesmo de ela ter se descoberto sexualmente. Ainda criança, no ensino fundamental, Sandra era alvo de brincadeiras dos colegas e alunos mais velhos pelo seu modo de se vestir e hábitos mais relaxados. “Era as trevas, porque eu ficava me perguntando 'mano, eu nem sei se sou ou não. E se eu for? Qual o problema? ’”, conta.

Para resolver sua situação, Sandra fez algo parecido com a iniciativa do MEC. Escreveu uma carta desabafando como se sentia ao ser discriminada e entregou a cada um dos seus colegas de classe. “Teve gente que ficou bem tocada. 'Poxa, Sandra, eu não sabia que você se sentia assim.' Era um texto bem triste, do jeito que eu estava, né?”, explica Sandra, que hoje prefere não se definir sexualmente.

Os vídeos, que serão distribuídos no segundo semestre de 2011, são baseados em histórias reais e espera-se que causem o mesmo efeito da carta de Sandra. “Vários Estados têm programas de educação e sexualidade e já tratam desse tema há tempos. Essa gente não inventou essas histórias, esses casos aconteceram de verdade”, alerta, Fernando Seffner. “Isso demonstra mais claramente que falamos de pessoas que existem dentro das escolas e que estão sofrendo. A escola tem que arrumar uma forma de resolver este problema.”


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