01 de Dezembro - Dia Mundial de Combate à Aids
O dia 1 de dezembro foi internacionalmente
instituído como o Dia Mundial de Combate à Aids e é quando o mundo une
forças para a conscientização sobre essa doença. Desde o final dos anos de 1980,
tal dia vigora no calendário de milhões de pessoas ao redor do mundo.
A
comunidade internacional fez na última década avanços extraordinários no
combate à Aids, mas a atual escassez de verbas ameaça reverter esses
progressos, disseram agências de saúde da ONU nesta quarta-feira. Um relatório
preparado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por outras agências, para
ser divulgado por ocasião do Dia Mundial de Combate à Aids, em 1º de dezembro,
disse que atualmente há 34 milhões de pessoas no mundo contaminadas pelo vírus
HIV, que causa a doença.
Dados divulgados na semana passada num estudo da
Unaids (agência da ONU para o combate à doença) e no novo relatório desta
quarta-feira mostram que o número de novas infecções pelo HIV caiu de 3,1
milhões em 2001 para 2,7 milhões em 2010. Já o número de pacientes com acesso
aos medicamentos passou de apenas 400 mil em 2003 para 6,65 milhões no ano
passado. Hirnschall disse que os dados sugerem que a meta da OMS - acabar com
as novas contaminações, com as mortes e com o estigma social ligado à doença -
poderá "se tornar realidade em um futuro não tão distante". A
epidemia, diz o texto, representa um "formidável desafio", mas
"a maré está virando". "As ferramentas para conseguir uma
geração livre da Aids estão em nossas mãos", afirma o relatório.
O otimismo, no entanto, é atenuado pela crise que
assola o Fundo Global para a Luta Contra a Aids, Tuberculose e Malária,
instituição mista (pública-privada) que é a maior patrocinadora mundial de
programas de prevenção e tratamento do HIV. Na semana passada, o Fundo disse
estar cancelando novas verbas para governos nacionais, e que novas concessões
só serão feitas a partir de 2014.
De acordo com o relatório da ONU, o total de
verbas destinadas ao combate à Aids caiu de 15,9 bilhões de dólares em 2009
para 15 bilhões de dólares em 2010. As agências calculam que, para 2015, o
mundo precisaria de 22 a
24 bilhões de dólares para realizar ações abrangentes e eficazes contra a
epidemia.
Em entrevista à Reuters em Londres,
Gottfried Hirnschall, diretor da OMS para questões do HIV/Aids, disse que este
é um momento crucial na luta contra a doença, aproveitando os avanços na
redução de novas infecções e na distribuição de medicamentos aos pacientes.
Estudos divulgados nos últimos meses mostram que a agilidade no tratamento de
novos pacientes é capaz de reduzir o ritmo de difusão do vírus nas populações.
"Este é realmente um ano animador, porque
estamos vendo uma tendência de queda nessas áreas onde queremos ver tendências
de queda - nas novas infecções e na mortalidade -, e estamos vendo tendências
de alta onde gostaríamos de vê-las, principalmente nos índices de cobertura
(dos tratamentos)", disse Hirnschall
No
Brasil
Fonte: CLAM – Centro Latino Americano em
Sexualidade e Direitos Humanos (Publicada em: 30/11/2011)
O Ministério da Saúde brasileiro divulgou esta semana dados
sobre a AIDS no Brasil, em função do dia mundial de combate à doença (1/12).
O perfil da epidemia mostra que a doença tem aumentado entre jovens gays. Em
1998, para cada 12 gays infectados com HIV havia 10 heterossexuais
contaminados. De acordo com os dados atuais, essa proporção chegou a 16 gays
para cada 10 heterossexuais. A pesquisa indicou uma estabilização da epidemia
e o aumento das transmissões do HIV em relações heterossexuais.
Os números demonstram que há uma dificuldade dos governos e da
sociedade civil em lidar com a questão, situação que se justifica, segundo o
coordenador da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), Veriano
Terto, por causa de barreiras morais e preconceituosas que impedem a
aplicação plena de políticas de prevenção.
Doutor
Em entrevista ao CLAM, o coordenador da ABIA comenta os números
da pesquisa do Ministério da Saúde e faz uma reflexão sobre o descompasso na
compreensão do direito à saúde no marco dos Direitos Humanos.
Nos últimos anos, o Ministério da Saúde tem concentrado
suas campanhas na população jovem e gay. A pesquisa mostra, no entanto, que
para cada 16 homens gays com HIV existem 10 heterossexuais infectados. Em
1998, eram 12 gays para 10 heterossexuais. Como entender esse aumento apesar
do enfoque do Ministério sobre o segmento?
O crescimento da AIDS entre homens que fazem sexo com homens
(HSH) é geral, independentemente do crescimento ou da diminuição da doença
entre outras populações. Isso reflete a dificuldade do governo e da sociedade
civil em lidar com a questão, sobretudo por causa de valores morais e
preconceituosos que dificultam a aplicação de políticas.
Por exemplo, o kit anti-homofobia, material didático produzido
por equipe capacitada e especializada que seria distribuído em escolas, foi
vetado pela presidente Dilma Rousseff em meados do ano diante da pressão de
parlamentares da sua base de apoio ligados à religião. É um exemplo de como a
discussão sobre sexualidade e juventude é espinhosa, seja na escola, seja no
âmbito público.
É uma situação em que preconceito, conservadorismo e olhares
religiosos se articulam para dificultar a implementação dessas iniciativas. A
atuação de setores religiosos também reforça o poder deles e dá mais vigor à
capacidade de negociação e barganha nas esferas políticas. É um processo que
prejudica a prevenção da Aids. No Brasil, temos um arcabouço qualificado,
teorias de prevenção, política de distribuição de medicamentos e, no entanto,
convivemos com esses números elevados que resultam, em boa medida, do
preconceito que dificulta o controle da transmissão do HIV.
Por que essa dificuldade em lidar com a população jovem?
Há um olhar geral da sociedade que acha necessário uma relação
paternalista com os jovens. Como se eles não tivessem autonomia e discernimento
para lidar com suas vidas sexuais. Assim, fica difícil a discussão e a
implementação de políticas para uma população cujos direitos sexuais parecem
não ter legitimidade ou aceitação.
Além disso, há também um olhar monolítico sobre os jovens, como
se todos fossem iguais. Não são. Há inúmeras diferenças. Existem jovens
negros, pobres, brancos, ricos, trabalhadores, desempregados, estudantes, com
filhos, solteiros, entre tantas outras possibilidades. Negar essa diversidade
significa ainda encobrir desigualdades raciais, de renda, de estudo, de
gênero e de orientação sexual que posicionam os jovens em relações
hierárquicas de poder. Há desigualdades entre os jovens. Não podemos negar
isso. A discussão tem que ter como fio condutor essa noção de diversidade que
há entre eles.
O surgimento da epidemia da Aids provocou um intenso
debate em torno dos comportamentos sexuais, alertando para riscos e para
formas de prevenção. O que os números atuais podem dizer sobre o
comportamento sexual dos brasileiros, passadas quatro décadas desde o
surgimento da doença no cenário mundial?
Os comportamentos sexuais são variados. Atualmente, temos mais
informação e mais instrumentos de controle e tratamento. No entanto, a
sexualidade das pessoas é diversa e a abordagem dessa diversidade muitas
vezes se complica.
Uso como exemplo dados da ABIA, de 2007 e 2008, que mostram as
relações intergeracionais. Notamos que é comum o relacionamento entre homens
jovens e gays com homens mais velhos. Penso que a discussão sobre o
comportamento sexual esbarra em valores morais que recriminam, nesse caso, a
relação entre pessoas com grande diferença de idade. Se já é um tabu
discutirmos relações intergeracionais heterossexuais, imagine no universo gay.
Acredito que o discernimento sobre o comportamento sexual e a
exposição aos riscos existe. Mas novamente somos impedidos por uma barreira
moral de discutir essas questões.
O aumento de casos de AIDS entre mulheres com mais de 50
anos se insere nesse contexto?
Sim. Tocar nesse assunto é uma tarefa também espinhosa. Basta
notar que a própria existência de dados sobre essa faixa etária, meia-idade e
terceira idade, é escassa. Não por acaso, temos os dados quantitativos, isto
é, o aumento dos casos de contaminação dessas mulheres. Mas não temos ideia
se, de fato, há um crescimento real da contaminação dessas mulheres nos dias
atuais ou se isso é fruto do maior acesso aos testes de diagnóstico que
detectam o HIV contraído há vários anos. Por isso, a discussão sobre
comportamento sexual é complexa e depende de vários aspectos que envolvem
políticas de saúde, questões de geração, gênero, raça, entre outros. São
lacunas que precisam ser discutias e que têm implicações no planejamento e
nas ações de prevenção.
Há poucos dias, foi divulgado que o Ministério da Saúde
iria diminuir a verba da campanha do Dia Mundial de Prevenção da AIDS de R$
6,5 milhões para R$ 1,5 milhão, e que a campanha seria submetida ao crivo da
Frente Parlamentar da Família. O governo recuou e negou que isso aconteceria.
Qual o impacto que uma proposta como essa teria?
Seria um retrocesso enorme, principalmente porque o HIV está
concentrado entre homossexuais, prostitutas e usuários de drogas injetáveis.
Seria um perigo colocar a campanha sob o crivo de uma bancada parlamentar
controlada por evangélicos.
Mas isso mostra como é importante o controle social sobre o
planejamento e a execução das campanhas e das políticas de saúde
Qual a sua avaliação sobre a estratégia de prevenção da
Aids das campanhas do governo brasileiro?
A mensagem principal de prevenção tem que ser repensada. O foco
tem sido prioritariamente o uso da camisinha. No entanto, é necessário
ampliar para outras questões. Existem profilaxias pré e pós contato com o
HIV; existem procedimentos, como a circuncisão, que dificultam a contaminação
pelo vírus.
Tais recursos precisam estar ao alcance de todos. Não são
privilégios ou ações de luxo. Constituem um direito. Com o aprimoramento das
pesquisas, formas de prevenção vão aparecendo e elas precisam ser divulgadas
e oferecidas à população. Apostar preferencialmente no preservativo não
funciona, sobretudo com os jovens.
Podemos falar que a AIDS atualmente assusta menos as
pessoas?
Não sei se ela assusta menos. Mas é fato que há uma sensação de
que a Aids é um problema resolvido, um tema encaminhado, e que deveria haver
atenção a outras doenças. É uma ideia equivocada e basta olhar para os
números do Ministério da Saúde para se deparar com a gravidade da situação.
O papa Bento XVI afirmou recentemente que a AIDS é um problema ético, o que envolve um julgamento sobre práticas supostamente certas ou erradas que podem levar à contaminação. Acredita que essa ideia ainda é aceita socialmente?
Sim, não tenho dúvidas. Não à toa há um preconceito - que
remonta desde o início da epidemia – que associa a infecção a comportamentos
moralmente condenados. Quem são as vítimas desse preconceito? Homossexuais,
prostitutas e usuários de drogas, populações que concentram os casos de Aids.
Infelizmente, para muitos a Aids é resultado de condutas
supostamente erradas. O que nos leva a pensar por que pessoas heterossexuais
também são vítimas do vírus. A Aids não é um problema ético, é um problema de
saúde que envolve outras instâncias, como a educação. São duas áreas em que
estamos em déficit com a população gay.
Seria por causa da dificuldade de compreender aspectos
da saúde no marco dos direitos humanos?
Sim, em muitos aspectos direitos humanos e saúde andam
No âmbito da saúde, entretanto, direitos são dificultados e
negados. Estamos na quarta década da epidemia, e vemos que a concentração da
infecção se dá entre jovens gays. Não é um cenário casual. Pelo contrário,
mostra como predomina uma visão estigmatizante dessa população, vista como
maldita, para quem a saúde seria um privilégio. Avançamos em um campo, mas
continuamos parados em outros.
Qual a sua expectativa para os próximos anos em termos
de planejamento e execução de políticas de prevenção da Aids?
Não sou esperançoso. Vejo uma banalização e uma falta de esforço
político para investir na questão da Aids. Menos em relação ao governo
federal e mais em relação aos governos estaduais e municipais. Muitas vezes
os recursos se perdem por negligência das gestões. Os governos locais parecem
não ver a Aids como questão fundamental.
Apesar dos avanços e do reconhecimento mundial do programa de
Aids do Brasil, constatáveis pela oferta de testes, pela política de
prevenção e tratamento e pela redução da mortalidade, precisamos ampliá-lo
para vencer as barreiras burocráticas, aumentar os fundos públicos das ONGs e
combater o preconceito que impera.
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